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Sem ensaio

Mariana Rosa – Dário da Mãe da Alice


Nós não estamos preparados. Já ouviu isso? Na escola. No trabalho. No parque. Na biblioteca. No teatro. Na rua. Não estamos preparados para lidar com a pessoa com deficiência, dizem. Não estamos. Assumir a frase expressa em cortante franqueza não é problema não, sabe? O que se faz a partir dessa constatação é que pode vir a ser – problema ou solução. Escolha, sobretudo.

Minha crença é de que a gente não se prepara para conviver com gente. Não abre livro, manual, guia: como lidar com mineiros? Com mulheres? Surdos? Médicos? Canhotos? Míopes? Negros? Jovens? Não há livro que dê conta das tantas características e nuances que compõem uma pessoa. Cada um de nós é única amostra. Pode-se pesquisar sobre a cultura que envolve tais aspectos. Talvez isso ajude a sugerir abordagens, técnicas, aproximações possíveis. Ainda assim, o que se encontrará são pistas de como aquele indivíduo que desafia a vida em comum pode vir a ser. Ele (ou ela) segue sendo mistério que só a convivência desvenda.

Con-vivência. “Vivendo com” é que a gente aprende a “lidar com”. É em relação, em interação que a gente se expõe e permite que o outro se exponha. Que a gente estabelece os limites e as possibilidades, os vínculos e as conexões. Não é maravilhoso isso? Para aprender a lidar com uma pessoa (com deficiência), o requisito é que a gente viva, dialogue, se envolva, se disponha, se rasgue, se remende com ela. Dali brotam os inúmeros caminhos possíveis da convivência, que já não pressupõe mais “lidar com”, mas “estar com”.

Ao menos comigo tem sido assim. Eu não estava preparada para ser mãe de uma criança com deficiência. Fui refém de padrões e estigmas (esforço-me, ainda hoje, para não sê-lo). Enquanto estive focada na deficiência, nas limitações, nas negativas, sofri com as possibilidades aprisionadas. Mas o afeto é prodigioso e tratou de me alforriar os preconceitos. Não é uma criança com deficiência apenas. É minha filha Alice. Doce, sapeca, cheia de opinião, uma belezura. Conviver com ela se tornou fonte de vida, infinito palpável. Ser sua mãe, minha maior riqueza, o predicado mais bonito da minha vida. Continuo sem saber lidar com ela, sem estar preparada para. Mas isso já não tem qualquer relação com suas limitações. Tem a ver com o fato de sermos mãe e filha, humanas. Todos os dias nós nos damos as mãos e, juntas, lançamo-nos ao espanto da novidade. A única certeza é nossa disposição mútua para o afeto, para a entrega, para o aprendizado.

A inexperiência – não estar preparado para lidar com – não deveria ser pretexto para recusa, negativa ou amargura. Ao contrário, o desconhecimento pode rebobinar o olhar aos tempos de criança, quando aquilo que ainda não se sabe desperta apenas curiosidade, provoca aproximação e apura o gosto da descoberta.

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