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Indulto às mães

Mariana Rosa


A festa seria naquele sábado, mas, dias antes, a expectativa já bailava com a menina. Ao chegar, abraço e sorriso entusiasmados se debruçaram sobre sua cadeira: Alice, você chegou! A exclamação do menino confirmava a reciprocidade do bem querer, dava razão à euforia que precedeu o encontro. Estava feita a roda das brincadeiras: lado a lado, a criançada aguardava os convites do palhaço. Podemos nos sentar aqui também? Lá fomos nós. A primeira brincadeira passou voando por nossos olhos, da segunda não nos foi possível fazer parte, a terceira seguiu alheia à presença de minha menina… assim, pouco a pouco, fez-se a mágica: ficamos invisíveis. Enquanto buscava um disfarce para a frustração, Alice a escancarou em choro inconformado. Nem brincantes, nem plateia, afastamo-nos dali. No colo uma da outra, encontramos recolhimento seguro. Ela, então, pôs-se a dormir longa e silenciosamente. Absteve-se. Protegeu-se. Ao despertar, vomitou. Tudo o que não lhe coube, pôs para fora ali mesmo. Não lhe pertencia. Deitei os olhos sobre ela, resignada, diante da impiedosa constatação de minha impotência, minha insuficiência. Tenho grandes perguntas, mas lido com a solidão de minhas respostas pequenas.

Sei que sou falta, ela é falta, o mundo é falta. Mas confesso meu íntimo pedido à divindade: um indulto às mães, para que sejam suficientes no livrar os filhos dos sofrimentos abissais causados pelo desamor, pela exclusão, pela doença. Deixai apenas as mansas aflições, quem sabe são o bastante para educar o espírito. Intensifico o pedido, com o cansaço me dobrando as costas e a súplica de joelhos, nos dias em que Alice chora de dor. Testemunho minha derrota, visto que proteger um filho é missão, de partida, fracassada. Se o que me oprime é o vazio, o que encoraja a pequena Alice é a infindável construção de sua existência. Ao inventar a vida, ela encontra em si mesma o seu brinquedo – e este nunca lhe falta. Mostra-me que não deve ser levado tão a sério, esse brinquedo que ora salta, ora repousa em suas mãos. Nada é definitivo, tudo está sendo, sendo, sendo… feito ela, feito eu. Ufa!

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