Precisamos falar sobre a vida das mulheres com deficiência!
- Jaqueline Vancim
- 8 de mar. de 2019
- 4 min de leitura
Hoje comemoramos o dia Internacional da Mulher. Muito mais do que um momento de oferecer flores ou render homenagens às mulheres é um dia para pensarmos no que significa ser mulher no Brasil. E mais: o que significa ser mulher com deficiência? Mulher com síndrome de Down?
Para começar nossa conversa e antes que alguém que esteja lendo este texto nos considere radical por discutir um tema como este numa perspectiva feminista, nos lembramos da Chimamanda Adiche que pontua muito bem sobre isso: falar sobre feminismo é falar sobre dignidade, sobre o fato das mulheres, sejam elas com ou sem deficiência, terem igual valor em nossa sociedade.
Nós da Ribdown, defendemos que a Deficiência é mais uma das possibilidades de sermos seres humanos – isso para afastar a ideia da anormalidade, do “corpo com defeito”. Então, é a partir dessa forma de entender que precisamos pensar em como nossa sociedade tem olhado para as pessoas com deficiência, e nesta data, especialmente para as meninas e mulheres com deficiência.
A Declaração sobre a eliminação da violência contra as mulheres (1993) e a Convenção dos Direitos da Pessoa com Deficiência (2008) no seu artigo 6º, reconhece que as mulheres e meninas com deficiência estão sujeitas à diversas formas de discriminações e violências e por isso é dever do Estado garantir seu pleno desenvolvimento e o exercício de seus direitos e liberdades fundamentais.
Estamos acostumados a olhar para as pessoas com deficiência como sujeitos incapazes, necessitados de cuidados e dependentes, o que torna difícil imaginar que, antes de um corpo com “limitações”, há uma pessoa com história, personalidade, sonhos e desejos. Fica abstrato pensar em mulheres e homens com deficiência, pois nossa sociedade tem dificuldades de olhar com cuidado e atenção para as inúmeras manifestações da diversidade corporal humana. A pessoa com deficiência tem sexo, raça, gênero, orientação sexual, classe social, religião! Não podemos como sociedade, como família ou como profissionais olhar para estas pessoas como se sua única expressão de identidade fosse a de um “ser” (assim, sem pensa-lo mulher ou homem) e seu corpo dependente.
Mesmo nos estudos sobre a deficiência no Brasil e no mundo, as questões de gênero, ou seja, o olhar para as especificidades das mulheres com deficiência, é bastante recente e os primeiros pesquisadores sobre o tema eram homens, que acabavam reproduzindo um padrão social masculino ao olhar para a questão. O movimento feminista contribuiu muito por chamar a atenção para a necessidade de entender as especificidades vivenciadas por ser mulher com deficiência num país como o Brasil.
A identidade é uma construção social, uma questão dinâmica que depende das relações, dos valores culturais e por consequência ser mulher com deficiência passa por considerar todos estes aspectos. Há uma corporeidade (um jeito de viver e perceber o corpo) vivenciada pelas das pessoas com deficiência, que numa sociedade pautada em determinados padrões estéticos e de competência torna-se um “corpo estranho” e consequentemente rejeitado. Corpo esse que, é submetido inúmeros procedimentos médicos ao longo da vida ou seja, acostuma-se a ser “invadido”; além disso um corpo vulnerável a uma série de violências, de diferentes ordens: violência física, psicológica, sexual.
Não é incomum, por exemplo que as pessoas com deficiência, especialmente as mulheres, tenham sua sexualidade negada ou estereotipada em virtude de concepções infantilizadas ou que se tornam fetichizadas, tipo “ah, elas (eles) têm a sexualidade aflorada”. Não é incomum terem seus direitos sexuais e reprodutivos cerceados, sendo muitas vezes submetidas a abortos forçados, a esterilizações involuntárias, ou até mesmo as mais “singelas” formas de opressão: minha filha tem deficiência, não tem condições de cuidar de um filho, por isso eu (família) decido que ela não terá um filho, sem consulta-la ou sem envolve-la no processo decisório de um procedimento contraceptivo, por exemplo. Não tendo o direito a vivenciar a sexualidade de forma refletida e orientada, estas mulheres tornam-se ainda mais vulneráveis a doenças sexualmente transmissíveis e à violência sexual.
Ainda com relação à violência sexual, muitas mulheres com deficiência são dependentes de educadores ou cuidadores, o que as deixam expostas a um maior número de abusos. Normalmente também, quando denunciam a violência não são levadas a sério, já que seu discurso costumeiramente não possui “credibilidade”. Fora isso, é preciso lembrar das barreiras enfrentadas pelas mulheres para denunciar uma violência: barreiras urbanísticas( muitas vezes não conseguem ao menos chegar a um serviço de proteção) barreiras de comunicação (é comum os equipamentos públicos não terem profissionais com formação para comunicação acessível ou não possuírem recursos de acessibilidade) barreiras atitudinais (os preconceitos e estereótipos a que são submetidas).
Por fim, não poderíamos deixar de citar as questões enfrentadas pelas mulheres com deficiência no marcado de trabalho. Assim como acontece com as mulheres sem deficiência, é muito menor o número de mulheres contratadas pelas empresas do que o de homens contratados para as mesmas vagas. Dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) em 2016 (ano base 2015), produzida pelo Ministério da Economia e que congrega informações sobre trabalho e emprego no Brasil, apontam que 64,23% dos postos de trabalho é ocupado por homens e 35,77% ocupado por mulheres. Segundo o relatório a participação feminina vem aumentando nos últimos tempos, mas pelas estatísticas podemos ver o quanto ainda é necessário refletir e avançar no sentido de eliminar estas desigualdades de gênero em nosso país.
O dia 08 de março é um dia em que todos congregamos esforços para trazer à tona a discussão sobre os direitos das mulheres garantindo vivenciarem suas vidas com segurança, em liberdade e de forma digna. É urgente também trazermos para o centro das discussões que a realidade das mulheres com deficiência não pode permanecer invisível neste contexto, afinal estamos falando da construção de uma sociedade mais justa e mais diversa para todas e todos!
Para finalizar deixamos um trecho de um lindo texto do Blog “Catarinas” e que fala sobre a solidão das mulheres com deficiência: “É preciso muito amor próprio para viver em uma sociedade preconceituosa sem esmorecer. Acreditar em si mesma e em quem está por perto para se relacionar com confiança, respeito e carinho. Reconhecer suas qualidades e investir nelas. Mas também, é preciso que pessoas que não possuem deficiências vasculhem seus preconceitos e se desarmem deles, para ter a chance de conhecer mulheres tão bacanas quanto as que correspondem a todos os requisitos de beleza”.
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